Consolidamos o MaRias como um grupo de estudos e um espaço para questionar o campo de Relações Internacionais
Universidade fechada, aulas suspensas, encontros cancelados e contatos interrompidos. Fomos pegas de surpresa por uma pandemia sem medidas preventivas definidas, sem data para terminar e com uma incerteza muito grande sobre o retorno à normalidade (como se isso fosse capaz de acontecer no curto prazo). No final de março, todo o planejamento ambicioso do MaRias para 2020 desabou sem deixar estrutura alguma de pé. Reformulá-lo era questão de sobrevivência.
O grupo de estudos era composto por encontros mensais presenciais, na belíssima biblioteca do IRI/USP. Era o momento em que, entre uma conversa informal e um comentários sobre as pesquisas, debatíamos em profundidade textos teóricos sobre feminismos e gênero, sem deixar nossas experiências pessoais de lado. O contato físico importava, ver e tocar a companheira de estudos fortalecia o grupo.
O modelo, no entanto, estava desgastado. Para 2020, planejamos direcionar os estudos para o Sul Global. RI é uma disciplina pensada a partir do mundo anglo-saxão, com conceitos e teorias que não explicam a realidade de 80% da população mundial, menos ainda das mulheres que convivem nesse território. Questionar essa visão nortista era um dos nossos objetivos. Ao final, produziríamos uma publicação, livro ou artigo, com textos autorais. Seguíamos por esse caminho até que pandemia nos colocou numa encruzilhada.
O primeiro encontro de formação nem chegou a acontecer. Com a quarentena, era preciso reformular a maneira de aturarmos. Ou nos adaptávamos a nova realidade, ou deixávamos de existir. Optamos pela primeira alternativa e aderimos ao formato virtual. Cada uma em sua casa, em cidades diferentes e com realidades domésticas díspares, abrimos nossa intimidade para que a outra pudesse entrar.
O constrangimento inicial do desconhecimento tecnológico e da imagem na tela foram rapidamente superados por uma dinâmica coletiva, em que todas tivessem sua fala respeitada. A estratégia deu certo. Os encontros do MaRIas sempre foram abertos a quem deles quisesse participar, mas a barreira física impunha uma limitação.
Com a versão online, conhecemos mais mulheres dispostas a debater esses temas. O grupo de estudos expandiu-se para outras regiões do Brasil e abraçou estudiosas que não estavam na universidade.
Expandimos nossa atuação para outra área e aprendemos com a diversidade de opiniões. Em cada encontro, batia um frio da barriga de não saber quem iria participar, se o aplicativo funcionaria ou se a discussão fluiria. Em cada mês, uma descoberta das nossas potencialidades.
Tivemos 9 encontros virtuais ao longo de 2020. Dois deles com a participação de convidadas externas para aprofundar a discussão. Também tivemos um ataque virtual que nos fez reforçar a segurança online. Muitas mulheres e alguns homens participaram das reuniões e acrescentaram olhares diversos sobre o mesmo objeto. Só temos a agradecer quem dedicou um tempo de sua vida para a questão do gênero nas relações internacionais.
Impulsionadas pelo interesse na pauta, organizamos o primeiro Seminário Online do MaRias. A proposta era organizar apresentações de trabalhos sobre gênero e RI e conhecer quem pesquisava a temática. Fomos surpreendidas por um volume significativo de trabalhos, reiterando o quanto gênero importa nas Relações Internacionais. Foram três dias, de manhã até a noite, dedicados ao Seminário. Saímos exaustas, mas com a certeza de que demos um passo importante na construção de espaços para promover o debate.
Marcado por uma quarentena interminável, 2020 foi sem deixar saudades. Entre ansiedade e desespero, o ano também significou oportunidades. Consolidamos o MaRias como um grupo de estudos e um espaço para questionar o campo de RI. Abrimos caminho para articulações políticas e ampliamos as áreas de atuação. Isso não teria acontecido sem uma dedicação imensa de cinco MaRias (Bia, Kelly, Laira, Mari e eu) e de todas/os que passaram por nossos encontros e pelo Seminário. Em 2021, seguimos fortes na luta.
Cecilia Mombelli
Coordenadora de Pesquisa e do Grupo de Estudos
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